Depois de alguns dias organizando as fotos da cidade de Bolder e as dos temas fotografados no curso, peguei a camara e fui pra rua. Tomei o metrô até o centro da cidade na ponta de baixo da ilha de Manhattan e subi andando, meditando e clicando aquilo que chamava a minha atenção. As vezes reagia rápido, outras vezes estava bem sereno e focado com a atenção no entorno. Senti pela primeira vez a sensação de que tantos sinais e signos pipocando em frente aos olhos, não deveria quebrar minha atentividade. Vi em mim o surgimento de novas imagens, novos temas, revendo tudo com olhar diferenciado pelo estar presente em mim e no entorno. Os detalhes eram mais específicos, diretos. Ao sair do metrô e ir para a rua, procurava redirecionar meu olhar. Prestava atenção aos pontos em que raramente se foca: beirais de telhados ou sarjetas, poças d’água, vitrines, cadeiras de botequim, vegetação, principalmente pessoas e suas expressões.
Para se chegar ao mundo como ele é, antes de sair clicando é recomendável preparar a mente com 15 ou 20 minutos de meditação tradicional, para ajudar a aguçar a percepção e a despoluir o olhar. Como é ensinado, para meditar, deve-se sentar confortavelmente em um local agradável e silencioso, onde se possa se sentir em paz. Com as costas eretas e as pernas cruzadas, foca-se toda a atenção na respiração, no ar que entra e sai das narinas. Assim relaxado, a concentração deve estar no momento presente. Depois de 20 minutos, prepare seu material e saia para fotografar. Andava pelas ruas de Manhatan umas quatro horas por dia, sem pressa e à disposição de receber o que me fosse dado.
Um dia, ao chegar em casa, encontro um recado do Khenpo no Skype: – Olá, quando virás a Memphis? Respondi o chamado e marcamos para o final de julho de 2011. Chegando em Memphis fui morar no Pema Karpo Meditation Center, uma casa que era o centro propriamente dito. Tinha um quarto ocupado pelo Thomas, motorista e cozinheiro de Khenpo e um sótão onde eu dormia e que tinha uma mesa para o computador. Uma grande cozinha, uma sala de estar onde Khenpo recebia as pessoas e o Shirine room, onde as pessoas podiam meditar e receber os ensinamentos budistas. O centro de meditação ficava num bairro um pouco afastado do centro da cidade ou de locais mais movimentados. Sem conhecer o transporte urbano, minha locomoção no início foi difícil.
Isto criou inclusive um contraste enorme com relação a estímulos visuais. Em Nova Iorque eu podia andar para qualquer lugar e lá estavam os sinais, símbolos, signos e significados. Em Memphis tive que me voltar para dentro, para o detalhe. As fotos retratam isso. Um período em que as meditações foram intensas, a percepções se aprofundaram tanto em mim quanto ao que estava no entorno.
Vizinho a este centro existe um outro, do budismo Vietnamita, com uma mesma linhagem de ensinamento vajrayana, porém com monges e monjas do Vietnam. Este centro foi criado para dar suporte espiritual a grande comunidade vietnamita em Memphis. Embora todos os rituais budistas tenham a mesma finalidade – a descoberta do Buda interior em cada um, ele são bastante diferentes, no aspecto externo. Para os vietnamitas a alimentação é sem carne, sem temperos e a meditação é feita com os olhos fechados, ao contrário da meditação do budismo praticado nos Shambala Center (como o nosso) ao redor do mundo. Os rituais também diferem e nos templos os altares e mesas são decorados com imagens de porcelana e plástico, em cor predominante dourada. As flores geralmente são de plástico.
Em Memphis, em agosto de 2011, fazia um calor insuportável, o que tornava uma saída para fotografar um evento mais complexo do que simplesmente meditar com a câmera a tiracolo. No entanto, as circunstâncias daqueles momentos me trouxeram compressões necessárias sobre mim e minha vida.
Pedro Alipio
Agosto 2010 – 2018